quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Domingos



Luís César Padilha

Águas cintilantes do oceano, sol na moleira e parafina, sons de festa na posse da alegria e os cobertores me rodeiam. Os quartos são iguais, a não ser pelo cheiro ou endereço. A mesma escuridão, a mesma ingratidão desse espaço sem pulso, sem olhos, sem ouvidos. A luz de uma tela me faz ser alguém no mundo. Em outro mundo. No mundo dos outros. O meu mundo são quatro paredes, ou cinco, oito. São três ou quatro portas. Meu limite é uma porta. Eu fecho a porta. Construo minhas novelas, romances. Faço minha história de dor no que vivo resplandecer a alegria do que vivi e me transformar em saudade. Meu futuro é a dúvida. De tudo que faço, gosto apenas de ser o que fui. Não me vejo como quero. Nem os outros me veem como sou. Dizem que sou solidão. Eu digo que sou amor.

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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Cavando cismas


Luís César Padilha


Era a mesma rua, a mesma lua, a mesma crua imagem humana detida pelos prantos incontroláveis. Com a mesma doçura, pediu aos céus. Com a mesma bravura, olhou para a frente. Caminhou sem conter o pranto. Fez a última reverência, sentindo o cheiro da madrugada. Aceitou um abraço. Um beijo. Confirmou não ser sonho. Enfrentou o gosto da rejeição, como autoagredisse. Fingiu ser o mais amado dos homens. Riu sem conter o pranto. Era bom rir. Todos enxergavam o riso. O pranto não cessava, porque o sonho rejeitou a realidade. Era bom chorar.

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sábado, 15 de outubro de 2011

Pedras e palavras


Luís César Padilha


Os ruídos ainda são os mesmos do naufrágio da dor nas lágrimas. As pedras atiradas no teto eram guiadas pelos exércitos de homens desapontados e silenciosos, que expulsavam suas insatisfações, como se fosse uma explosão de agonias. O silêncio arrenegou o orgulho. As insatisfações adentraram nas casas. A explosão atingiu inocentes que, com suas novas agonias, transformaram pedras em palavras. Pedras não são armas e sucumbiram à pólvora do exército de homens tolos. Os homens tolos não entendem palavras, nem pedras, e são manobrados contra eles mesmos. Os desapontados são novamente silenciados, até que as pedras sejam de pólvora e os tetos virem escombros.

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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Descaso do tempo


Luís César Padilha


Quando a escolha reverenciou o futuro, não houve saídas para o passado. O passado não desdenha as etapas; se não define quem é, revela quem foi; desequilibra os agoras, caso falte as certezas. E o ser não apaga as linhas escritas pelo passado. É refém de seu outro eu. Quer não ser o que foi. Quer gritar outra história para satisfazer o presente. O algoz permanece intacto, naquele tempo inalcançável, e não muda a sua marcha em direção à memória. Fecha os olhos e ele aparece. Cala e ele está. O ser não escapa de suas incertezas. É refém de seu outro eu.


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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Flores ao tempo




Luís César Padilha


O céu está cheio de perguntas daquele olhar perdido. A íris flor do destino refaz horizontes, mantém a caminhada. Tudo sufoca o corpo e não empolga a alma. Quase encontrou, quase negou, quase se arrependeu. Enquanto sonhava, se trancou no quarto e calou seus apelos. Seu peito é o alvo das incertezas. Por onde ir, onde ficar e onde chegará é a angústia das pernas finas e cansadas. Não houve um existir no outro. É só.


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sábado, 20 de agosto de 2011

Sem título


Marcelo Souza

Enfim o movimento se radicaliza

Não dá para continuar como está

Por isso tudo que tenho feito é GREVE

Com piquete, manifestação, protesto...

Não, protesto não.

Prefiro seqüestrar um embaixador

O protesto me expõe demais.

Ando propositalmente sem mobilização

Mas firme em minha greve solitária

Estou em greve de amor.

E mesmo sabendo que amor não me falta

Você é o meu primeiro ponto de pauta.


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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Não tenho





Luís César Padilha


Como me defender do que não conheço? Foi o que seu pensamento perguntou à sua razão. Não há porque convidar a culpa para integrar seus instantes. Ele é a culpa. Ela destoa no baile. E qual a direção incerta, qual improviso correto? Quanto dele se esvai quando não responde a si? Ele cai, ela sai. É a solidão camuflada que a saudade rejeita. É a vibração de caos estendida no pesar. Quero apostar na felicidade, enquanto as cinzas não estiverem sob o tapete. Ele e ela se compensam. O destino cobra as multas. As vidas tecidas no amanhã recriminam as novas danças, porque ela destoa no baile. Ele é a culpa.


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quarta-feira, 15 de junho de 2011

Construindo dramas


Luís César Padilha


E o oceano se fez vítima do rio, tentativa vã de adoçá-lo. Custou ao rio sua intimidade, o orgulho, a vaidade. Atirou-se inteiro no reservado oceano. Quisera alcançar de vez a profundidade, a beleza. O rio quis demais, insistiu demais. Negou-se a mudar de ideia e continuou rumando na mesma direção. Enquanto tiver força, o rio continuará com seu apelo repetitivo para ser parte do oceano. O oceano permaneceu com monossílabos, dissílabos, historinha ou outra e com seu salso inabalável. O rio, com seus dramas, provocou riso. O oceano é inalcançável demais para um rio.


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segunda-feira, 13 de junho de 2011

Homem direção


Luís César Padilha


Eu esperei o sol durante a vida. Queria que ele visse meu olhar, minha admiração. Fui sua mão direita para escrever, esquerda pra tatear. Caminhei pisando forte com a perna esquerda, com ela afastei obstáculos. Indiquei curvas ladeiras esteiras escadas tapetes. Ao seu lado esquerdo. Destro que era, tilintava o alumínio com seus olhos agitados. E os olhos construíam mundos que eu não via, mas vivia em suas prosas. Os olhos que não enxergaram meu mundo. Fecharam. Não viram meu olhar... Eu espero o sol.


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quarta-feira, 25 de maio de 2011

Horas de ânsia



Luís César Padilha


Ela vê sombras. Ela vê nuvens e vive o frio no encalço do sorriso. Ela não dorme e não espanta a agonia. Seus olhos abertos anjificam meu sono, mas não me livram do pesar. Ela não sorri e eu choro sem lágrimas para ela não sofrer. As sombras e as nuvens não saem. Não há estrelas e parece que elas cairão. Eu sou ela neste extremo tormento. Eu sou ela na próxima canção de suicídio. Eu sou ela na incessante busca pelo sorriso.


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sexta-feira, 13 de maio de 2011

Apenas uma noite



Luís César Padilha

Fez das tripas coração, do coração suor, do suor grana. Juntou seus centavos. Juntou seus trapos. O cansaço virou riso. As sentenças desafiam os atos. Andou calmamente até a bilheteria. Cravou seus pés no mesmo chão que nutriu seus anseios. A cena se renova e os personagens se confundem. O herói junta as armas, caminha, a pele se aproxima. Os cabelos. O olhar. O passado adolescente, presente adulto. Indecente. Aquele corpo cresce diante de si. A grana conquista o que o coração não conseguiu. E ele deita com a mulher amada. Vítimas, vivem o que desejam. Beijos... Carícias... Orgasmos... Antes apenas olhares, agora a vida inteira. Antes apenas desejo, agora amor. E foi a noite inteira. Seriam duas... três... quantas ambos quisessem, se tudo fosse o querer. Mas o raiar do dia denuncia o retorno. E a grana é só de uma noite. Uma porta se fecha, o ciúme escapa. A cabeça abaixa. Ela fica no night club, ele vai à oficina. Ela torce pelo próximo encontro. Ele acalma as tripas, o coração, até que a saudade aperte novamente. O valente anônimo beija seu conforto e pensa: a vida lhe cobra o que ele não consegue pagar. A decente puta lamenta as lágrimas e pensa: a vida lhe cobra o que ela não consegue pagar.

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