segunda-feira, 31 de março de 2008

O sol sem reino vira súdito



por Luís César Padilha


E, enfim, o súdito pôde ser...

A rainha converteu nuvens
em céu de luar estrelado.
Abriu mares onde
não se podiam navegar.
Fez música quando
forçaram silêncio.

Quando o doce suavizou,
aeronaves foram
estrelas cadentes...
E todos os pedidos se realizaram.

O súdito, desde então, existe.


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terça-feira, 18 de março de 2008

Guia



por Marcelo Silva

Guia

Guia-me
Até o seu mundo
Onde eu organize
Esse pensar

Guia-me
Até onde o louco
Seja compreendido
Num lance de olhar

Até onde as flores brotem
Em pedras nucleares
Que não sirvam pra matar

Guia-me
Até a essência
Do ar frio que me invade
E eu insisto em respirar

Guia-me
ao coração
Que eu sei que é seu
E olha comigo
Esse belo luar

Essa música foi feita para minha amiga Natalie cantar, mas ela saiu da banda por causa dos estudos e a música ganhou nova roupagem na voz de Tam, que também pegou a estrada. A música foi remodelada para Padilha cantar.

A poesia é forte e fala da ânsia do ser vivo em viver. Faz referência a coisas da vida, à utopia, à necessidade do sonho inatingível no agora para que se possa caminhar rumo ao amanhã. O primeiro título foi “A guia lua”, simbolizando a lua como algo intocável, inalcançável, imprescindível para uma noite de luar.

Mas existem muitos outros tipos de guia e para que eles nos guiem é necessário que confiemos neles, e a confiança, a crença, pode nos levar a um mundo justo, ao paraíso, à utopia.


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segunda-feira, 17 de março de 2008

A última carta do Rei Capitoi Gates



(os insurgentes que tudo pretendiam)


por
Erahsto Feelício

Ao longe do fosso já se encontra uma multidão. Vossa organização é tão peculiar... tão singular, que para meus generais – e apenas para eles – mais parece uma desordem generalizada. Não há precisão em dizer se existem oficiais. Daqui todos parecem soldados. Ouvi dizer que se revoltaram, se rebelaram, e ainda não se sabem suas pretensões. De tudo os dei: festas, missas, possibilidade de ter bons cavalos, terras liberadas para o cultivo um dia na semana, e até poder para decidirem questões básicas sobre as vilas. Por que a revolta? Fiz questão de me certificar que ninguém da cidadela do castelo pudesse chegar perto demais deles. Pedi ao Reverendo Vladmir Socialé que fizesse algo, e no sermão da missa as sábias palavras eram sobre a luta contra os insanos infiéis adoradores do mal, pois somente assim poderíamos construir o paraíso celestial planejado por Deus. Portão fechado, arma em punho, na muralha só hão guerreiros brunidos. Mandei o Mensageiro, Lorde Giorgi Libertu, com a bandeira branca, para conhecer as reivindicações deles e seus termos de paz. Eles tomaram a bandeira branca e me mandaram uma negra. O Lorde disse-me que todos eles reivindicaram tudo. Pelos céus! Não posso entender! Como reivindicam tudo? Proibi há muito tempo essa palavra, ou qualquer que tenha significado de totalidade. Eles não conhecem tudo, apenas parte! Perguntei quem são eles, o Lorde me disse que são todos. Esse “todos” soou de forma unitária, como se não pudesse atender apenas a interesses específicos de cada aldeão, de cada vilão. Como minar suas forças? Todos os espiões enviados não voltam, mas diferente das outras vezes, eles não mandam a cabeça dos espiões em bandejas. Há quem diz ter visto um espião entre a multidão. O General Fragmentu Marinho não sabe o que fazer, não há como assassinar os líderes, não há como distingui-los dos demais, eles também não aceitam desafios dos melhores homens, pois todos se intitulam os melhores homens. Existe o cerco, apesar de eles oferecerem comida a todos que, desarmados, saírem da cidadela do castelo. Há festas todos os dias, não homenageiam os santos. São pagãos! Estive montado em meu alazão a uma pouca distância deles e não me fizeram uma, sequer, petição. Uns falavam em derrubar o castelo e usar as pedras para construir jardins, outros dizem que a coroa não é nada. Espantei-me quando falaram que a insurgência seria para sempre, mesmo que eu me rendesse. Loucos! Meu exército marchará, pela primeira vez, contra pessoas que não lutam por terra, nem mesmo por menos impostos. Lutarei contra quem não quer meu trono, minha coroa, minhas terras ou minhas filhas? Eles não querem o reino, parecem não reconhecê-lo. Meu exército não foi preparado para essa luta. A única infantaria que mandei foi recebida com músicas, gritos de guerras, mas mãos amigas. O meu Herdeiro, meu primogênito, Democraceau Inácio discursou contando a história vitoriosa do meu reino. Os rebeldes falaram de um tempo muito próximo quando iniciou a vida deles. Desde que soube dos levantes mandei exterminar todos, mas ninguém nunca sabia sobre os revoltosos. Num ato de desespero mandei um falso escrito real que passava as terras para as famílias do reino e as ferramentas para seus utilizadores. Negaram ou era como se tudo isso sempre fora assim. São arautos do caos contra a sociedade do trabalho e da moralidade. Não hei de ficar parado, numa ultima tentativa de salvar meu reino, os atacarei até minha morte, e em meu testamento passarei todo meu poder aos líderes insurgentes e minhas terras a todos eles. Rogo para que aceitem! Porém eles criticam tudo, a abundância e a miséria. Caso aceitem, salvarei meu reino. Deixarei o Estado e entrarei no tempo. Pelo menos se a negação de tudo deixar!


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quinta-feira, 13 de março de 2008

Ainda sobre os trilhos


por Luís César Padilha

Hélio Valadão Júnior é um dos grandes poetas que já conheci. Não só por seus textos, com musicalidade própria e versos simples, mas também pela coerência entre a arte e a vida. Ele vive seus poemas.

Além do amor pela arte, dedicou um tempo de sua vida para pesquisar sobre Santo Antonio de Jesus, a outra paixão poética dele. Nos rumos da história de sua cidade, ele construiu grandes versos, ora elogiando, ora protestando, sempre mantendo seu olhar poético atento à construção do seu mundo.

Uma das mais belas paisagens do passado santantoniense é a da velha estação de trem. O saudosismo marca o texto de Valadão, lembrando o início do progresso comercial da cidade, viabilizado pelas locomotivas. 27º trem fantasma foi o título de seu primeiro livro de poesias, lembrando o que seria a última viagem para Santo Antonio de Jesus.

A segunda versão do poema é utilizada na nossa música Dark city e o 27º trem fantasma. O poema foi publicado originalmente no livro Torneiradas de mim. Eu cuidei de fazer a colagem musical, partindo de uma idéia musical que me foi passada por Marcelo e Andy. Modifiquei muito a música, em relação ao que me foi apresentado. O produto final me agrada muito. É uma das músicas de que mais gosto em nosso repertório.

O texto de Marcelo faz referência à morte como um estação que iremos descer a qualquer momento. Enquanto o texto de Valadão aborda a morte do trem nos trilhos de Santo Antonio de Jesus.



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Dark City e o 27º Trem Fantasma


por Marcelo Silva

Dark City e o 27º trem fantasma
(Marcelo Silva / Hélio Valadão Júnior)

O trem leva a todos...
Um suspiro na porta dos fundos...
E o prazer não mais satisfaz.

Nem o grande tesouro
Nada mais tem valor
E o besouro da solidão
Decompõe todas as minhas vontades.

“Nas loucuras que sonhei acordado, quando não adormecia nas estações, minha fumaça saltava as nuvens avisando. As comunidades festejavam minhas chegadas. Eu não cansava nas ladeiras, nem temia túneis escuros, nem imaginava que pudesse vir a ter ferrugem nos trilhos.”

O sol se pondo impõe
Que o desejo não volte mais
Porque o prazer não mais satisfaz.

O trem leva a todos
Disseram me traria alguém
Agora espero um anjo
Fúnebre, sinistro e mórbido
Em forma de trem


Quem não gosta de viajar? Viajamos muito, mesmo sem sair do lugar.

Essa música fala da morte, a viagem para o incerto e usa a metáfora do trem para a vida. Trato a vida como um trem, cheio de tudo de que se precisa para viajar e cheio de armadilhas. Muitos são arremessados para fora do trem em direção ao incerto. O desejo do fim da viagem é o desejo pela morte, que é certa, mas que deve esperar que o enredo da vida se complete, o que nem sempre acontece. A morte, então, é um mecanismo de justiça social, que abre novas vagas no trem. Essa música foi um fruto das minhas viagens estudando em Feira de Santana e trabalhando em Itaberaba correndo os riscos das viagens, e vendo acidentes na BR-116. Acaba se configurando um tributo às vidas que ali foram interrompidas e uma reflexão sobre a efemeridade da vida.


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domingo, 2 de março de 2008

ESCUDOS


por Luís César Padilha

Escudos é um poema que compõe o meu livreto Luvas na sua página sete (número que povoa minhas poucas superstições). Surgiu em uma fase de esperanças e dúvidas, no meio dos estudos pré-vestibulares e das inseguranças que o capitalismo traz a essa etapa. A fase também era de elevação de auto-estima nas relações humanas e de busca por uma beleza, a fim de realizar as mais instintivas vontades e as mais emotivas.


Não havia lido tanto Sartre, nem Shakespeare, li A peste de Camus, mas alimentava meu desejo de auto-entendimento. O meio contrariava qualquer perspectiva de religiosidade pura, visto que o acesso ao capital exige individualismo. Nesse tempo, eu tinha um pensamento (e tenho) bastante cruel em relação à humanidade: "o que o dinheiro não compra improvisa".

Partindo desse lampejo filosófico, no poema Escudos eu falo de amor. Inicialmente, o supremo bem, incomensurável por certezas ou por pecúnia, é alvo de sutis mudanças em seus conceitos. Reflito sobre o peso dos sobrenomes (o título é uma referência aos brasões de famílias nobres) nas diversas escolhas, principalmente nas amorosas, refletindo o rancor diante de pequenas perspectivas, da seleção da sinceridade.

E a igualdade, que em minhas leituras políticas e religiosas é o grande objetivo a ser alcançado pela humanidade, só se enxerga na dor.

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Escudos


Parto

Limite é o quarto

Um dia cresço
E aprendo o terço

Rosto

Exposto ao gosto

O gosto é o preço

E o endereço


Salto

Do farto fato

De ter apreço

Se não mereço


Escuro

Contínuo muro

Quando enalteço
O que já esqueço


Corpo
Mediante ao morto

O corpo é o gesso

E o recomeço



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