segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

OURO

por Luís César Padilha

(ilustração: obra de Dudu Cruz - Ovos de ouro - feita c/caixa dourada de ovos de galinha)

Algumas pessoas acreditavam que a língua inglesa era a mais apropriada para se fazer rock. A explicação para isso era a musicalidade das pronúncias e a sintonia entre o vernáculo e a tendência musical. Eu não aceitei a explicação. Eu não admitia que à criação artística fosse imposto qualquer limite. E isso me conduziu a um mundo de reflexões.

Cheguei a algumas conclusões, mas a que interessa para o presente texto relaciona a beleza à estranheza. Eu pensei que as pessoas gostavam de cantar e ouvir em inglês porque era estranho para nossos ouvidos, fugia da mesmice sonora das falas do dia-a-dia e conduzia mais para o universo sonoro. O ouvinte não ficaria decifrando signos lingüísticos e se fechava no univereso da sonoridade.

Isso me fez pensar que um poema escrito com palavras pouco usuais, mesmo sendo do nosso vernáculo, causaria o mesmo efeito. Assim, comecei a elaborar o poema, buscando palavras difíceis e sonoras.

Associando ao tema de fim do mundo causado pelo ser humano, escrevi sob a denominação Sábio agônico. Havia estrofes iniciais que traduziam exatamente o desentendimento do eu-lírico frente as atitudes humanas contra eles mesmos. E foi transformado em música com a primeira parte.

O poema ficou guardado por dois anos. Quando resolvi publicar o livreto de poesias "Luvas" quis incluir o poema Sábio Agônico, mas ficou apenas a segunda parte e sem o nome de origem. Na seqüência do livro, há outro poema que também estava sem nome. Ouro seria o outro, este seria denominado Mortais. No momento de enviar para a gráfica troquei os nomes e assim ficou.

SÁBIO AGÔNICO

I- Agonia

Não entendo esse sopro
Não entendo esse corpo
Não entendo esse rosto
Não entendo esse fosso
Não entendo esse ismo
Não entendo esse cismo
Não entendo esse cisto
Não entendo esse cristo

Eu entendo este sopro
Eu entendo este corpo
Eu entendo este rosto
Eu entendo este fosso
Eu entendo este ismo
Eu entendo este cismo
Eu entendo este cisto
Eu entendo este cristo

II- Ouro

É mais um mito.
Enquanto a ápis martiriza na colméia,
a orbe magna conjetura o desemboque
e o reboque enfatiza a palidez.

É mais um giro.
Os segredos, ardorosos ao descaminho,
despertam a cutis da ninfa imponente,
estagnada no divã crepuscular.

É mais um grito.
A júdice cromática das sete faces
sucumbidas no derradeiro juízo
é pusilânime, mentirosa e íntegra.

sábado, 26 de janeiro de 2008

EIS


por Luís César Padilha
Quando comecei a compor Eis, não tinha a menor intenção em transformá-la numa música. Antonio Márcio com sua percepção refinada de melodias, foi quem encontrou o caminho. Por incrível que pareça, Eis é a união de três poeminhas escritos em momentos completamente diferentes e foram compostos na ordem apresentada na música. Parece ter sido criada em algum outro plano, já que a espontaneidade foi a essência do resultado obtido. Para completar, a música e os arranjos são muito parecidos, quase o mesmo, desde a primeira execução em ensaios, mesmo tendo passado pela influência criativa de músicos diferentes.

O primeiro dos poemas, Passas, foi construído em uma caminhada que eu fazia entre o Bairro Santa Rita e a Praça Padre Mateus em Santo Antônio de Jesus. No meio do caminho, um garoto atravessou em minha frente e mudou seu semblante do riso ao choro em questão de segundos. Ele saiu chorando de meu caminho. Mas minha reflexão o construiu de outra forma. Lembro-me de ter retornado para casa só para escrever aquilo que estava repetindo em minha mente. E os quatro versos foram escritos, com a sensação de que havia acabado o poema.

O segundo poema é fruto de uma auto-análise. Era o momento de dúvidas, principalmente com relação ao futuro de um jovem que ainda não havia aprendido o trabalhar. O sentimento de culpa e a vontade de independência repetiam uma angústia interior que simulava um sofrimento. E todas as manhãs, acordava cedo para nada... voltava a dormir. Foi então que escrevi uma determinada frase, repeti a mesma frase e achei que ali o poema terminaria com o efeito de continuidade. Finalizei, então, Mãos sujas.

A terceira parte de Eis é a primeira parte composta em música. Brincando com o violão, encontrei uma seqüência melódica e logo cuidei de encaixar uma letra. Achei tão impressionante o efeito que não parava de repeti-la mentalmente. Parecia que já a conhecia.

Com Ironia pronta com letra e música saí com vontade de mostrar para alguém. Fiquei em uma pizzaria sozinho, quando vi passar em uma moto Antonio Márcio. Ele estava na garupa de Abílio e com um violão. Eles sentaram à mesa e, entre uma cerveja e outra mostrei para Marcinho a música que havia feito. Abílio também colaborou muito com uns poemas eloqüentes de improviso àquela noite se transformar em histórica. No dia seguinte, estava na casa de Antonio Márcio, começando uma superprodutiva parceria musical e de estudos informais. Ficou por conta dele o encaixe entre os três poemas e as melodia que eu passei.

Saí da pizzaria com a impressão de que faltava algo na música para complementá-la. Uma tarde na casa de Antonio Márcio foi o bastante para complementar a criação. Daí em diante, Eis foi música executada na Massaricus Tropicalius, nas boemias com a turma da Conexão Mafiosa (Jaiminho, Kiko, Ênio e Márcio), Junior Quereto, Almir Côrtes e em muitas apresentações minha com Marcinho naquelas canjinhas facilitadas pelos amigos mais competentes.

Eis

I – Passas
Tinha um menino em meu caminho
Ele lacrimejava pedras de calçamento,
Cantava as notas do momento
E minava o riso de um novo tempo.

II – Mãos sujas
Nasce mais uma manhã e o homem sofre.
Nasce mais uma manhã e o homem sofre.

III – Ironia
Pediu tudo que não quis pedir.
Falou tudo que não quis falar.
Morreu só porque não quis morrer.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Anedota com scotch no gabinete



por Luís César Padilha

Quando os primeiros raios solares o iluminaram, ele era o mesmo operário implorando um olhar. Dedicar-se sempre foi obrigação. Contentamento é estabilidade no emprego. Sempre fez jus a elogios. A única atenção foi por erro de inexperiência.

Quando os primeiros vales credores o especularam, ele era o mesmo operário tateando tecidos. As horas consomem. Dores do agora. O talvez do amanhã é agouro do outro. A mesma biografia de outrora em nova geografia. O limpo se faz inútil. O ser do ser perece frente ao crer no ter. O homem tem que ser máquina.

Quando os primeiros ares de revolução o contaminaram, ele era o mesmo operário implorando por um ouvir. Debates. Leituras. Conjecturas. Leituras. Ações, enfrentamentos. Subversões. Quanto mais seu discurso se tornava original, era mais perigoso, era mais importante. Prescindível. Fundamental. Mudança isolada é loucura social.

Quando os primeiros lapsos de confiança o impregnaram,, ele era um operário farejando soluções. O conforto mutila a classe. A luta camufla a farsa. O direito é piso falso. O discurso coletivo não convence. As conquistas pessoais são poderosas. E não há mais.

Quando os primeiros golpes de traição o atingiram, ele era um ex-operário implorando sabores. A consciência provoca isolamento. O único discurso indefectível da pecúnia. Incontestável. O cruel lado oposto é ladeira abaixo. Verdade ilógica nos canais de comunicação! Loucura sábia sob os viadutos!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Lapso de sortilégio


(Luís César Padilha)


Avisaram que a noite chegaria rápido. Pensou se viria a escuridão ou as estrelas. O baile era longo. Descortinou sua janela voltada para o futuro e não enxergava horizonte. Mesmo assim, começou seu caminhar em busca de um não sei o quê que nunca encontra e não pára de buscar. Aceitou e cumpriu a rotina. Seguia os passos de sempre e deparou-se com a pele morena, com os cabelos cacheados. Depois foi flor no jóia. A flor disse desde que. O jóia disse assim. Ela falou em luar. Ele insistia em números. E encaixaram seu olhares, vislumbraram enxovais e calcularam fins de semana. Sorria sentada; em pé, manquejava. Sorria sentado; em pé, desertava. Disse que a noite chegou rápido e não ouviu que os bons momentos faziam esquecer o tempo. Antes de retornar para a linha reta, passou pela festa. Distraiu-se com o tiro ao alvo da esquina. Engoliu litros de própria saliva. Ainda caminhou sem colher pedras pelos sapatos. Percebeu um x ao olhar pra trás e não pesou calcular. Contemplou mais uma vez sua janela sem horizonte. O poste em frente apagou.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Dor de visionária


O trecho a seguir foi extraído do livro Santo Antônio de Jesus, sua gente e suas origens de autoria de Hélio Valadão.

"... dia 11 de dezembro de 1998, às 11 horas e 45 minutos aconteceu a maior tragédia de todos os tempos em Santo Antônio de Jesus e, segundo comentaristas da televisão, o maior acidente com fogos acontecido no país.

Dessa vez o estampido foi muito mais forte, ouvido até nas cidades mais próximas. Toda a população ficou alarmada e correu para o bairro de Juerana, próximo ao local onde acontecera a explosão. O número de feridos foi tão grande que ocupou o hospital local, os hospitais públicos de Salvador e, ainda, o Governo teve de pedir auxílio aos médicos dos hospitais particulares. Os corpos eram transportados aos montes a toda velocidade para a capital. O governo foi omisso todo o tempo. Depois que ocorreu a tragédia ele foi extraordinário, cumpriu seu dever. Mas, apesar da sua eficiência em socorro às vítimas, faleceram 64 mulheres, entre as quais 25 menores de dezesseis anos, uma delas estava grávida. Os médicos conseguiram salvar a criança. Um jovem apresentou-se como seu pai. Exigiram-lhe um exame de DNA que confirmou a sua paternidade. Sabe-se que pai e filha residem hoje na ilha de Itaparica e que ela foi batizada com o nome "Vitória".

[...]

Coincidência, uma das vítimas, Fabiana Santos Rocha, menina de 14 anos que faleceu juntamente com suas duas irmãs, Adriana e Mônica, iria crismar-se no domingo vindouro e algumas semanas antes da morte ela escreveu a seguinte poesia:



Quando eu me chamar saudade

Sei que amanhã, quando eu morrer,
os meus amigos vão dizer que eu tinha
um bom coração.
Alguns vão chorar e me homenagear.
Mas, depois que o tempo passar,
nem vão se lembrar que eu fui embora.

Por isso eu penso assim:
Se alguém tem algo a fazer por mim,
que o faça agora.
Dê-me flores em vida, carinho e
mão amiga para aliviar meus "ais".
Porque, depois que eu for embora, me
chamarei "saudade", não preciso de
vaidade, quero paz e nada mais."

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Códigos do acaso


(Luís César Padilha)


Empreste-me seu céu, seu sol, suas sombras.
Permita-me ser aquilo que você nunca quis revelar.
Reerga seus véus e seus nós.
Reviva seus medos.

Verter músculos em consciência
é tentar amar sem perder o engano,
é transformar lavoura em família
e se firmar em uma ilha
afastada dos tiranos,
resistente a carência.

E não vou entender amor com lágrimas,
se não traduzir alegria.
Pois seu céu de desejo
com a luz fecunda
construirão sob seus pés
o espectro do viver.