quarta-feira, 12 de junho de 2013

Grito contra o silêncio




Luís César Padilha

Marcha das vadias, da maconha, do homo-amor, dos religiosos, das etnias, contra Belo Monte. Estudantes na rua. Usuários de transporte coletivo urbano na rua. O brasileiro está reaprendendo a protestar. Depois de incontáveis minutos de silêncio, ressurge a voz do brasileiro rebelde, que não obedecia a ordem de silêncio e o toque de recolher dos dominadores.

A ditadura militar da década de 60  motivou o brasileiro a lutar por seus anseios. Inspirados por ideais, cultivavam o sonho de organizar o país em torno de propostas políticas populares, visando, antes, a atender as necessidades básicas da população, como objetivo maior de tornar o Brasil um país imponente em termos humanitários. As ideias marxistas que contornavam esses protestos sucumbiram. A força dos militares torturou, matou e amedrontou o Brasileiro. Silenciou-o.

Anistia. Anti-tortura. Pacifismo, pacificidade. Passividade. As propostas políticas atenderam ao capital, aos grandes investidores internacionais, multinacionais. As necessidades básicas da população nunca foram atendidas. Poucos tentaram reativar gritos de insatisfação e tiveram seus discursos reprimidos. Poucos tentaram conscientizar e foram relegados ao papel de loucos.

Meio século. O Brasileiro está de volta. Ainda são poucos, mas estamos vendo Brasileiros. Os olhos do mundo se voltam pra cá. Os nossos olhos se voltam pra nós. Os R$3,20 que não é significativo para os grandes investidores internacionais, para os donos das empresas de transporte coletivo, para deputados, etc, fazem o povo apedrejar o momento, sob bombas e projéteis. A população está insatisfeita.

O efeito imoral, amoral de tudo é que os protetores do poder estão reaprendendo a reprimir. Povo contra povo. Pobre contra pobre. Os policiais militares dizem que pra manter a ordem reagem. Eles pagam os R$3,20, mas obedecem. Engrandecem e enaltecem o discurso dos poderosos. As bombas que atiram se voltam contra eles. Tiro no pé.

Os poucos têm que ser muitos. De fora é mais tranquilo. Ser contra é mais confortável. Entrar é mais digno. Quantos meio século ainda serão necessários para a revolução? Educação em nível inferior. Saúde moribunda. A situação continua má. Não haverá mudança para quem insistir em esperar. Quem cala consente. Quem não cala não pode ser condenado.

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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Voz do povo


Marcelo Souza

Era a parte mais marginal da família De Castro, compreendera de perto a fome. Ousando fugir dela, ele corria. Como correu pela passarela a esquerda, fugida de cães embravecidos, com passos bem firmes, dinâmicos, saltava cercas e quintais alheios, já imune ao barulho dos vizinhos, julgou-se a salvo do crivo da lei, havia sido mal avaliada a sensação de alívio e, assim, de pé sobre assoalhos de equívocos, ele seguia confiante de mais um êxito. Quando o trabalho já estava completo, ele retirava o seu gorro preto, seguindo pelos caminhos tortos com os bolsos cheios de metais. Sua lanterna era a única testemunha do acontecido, companheira indispensável ao trabalho noturno, apoiada na não usual facilidade em encontrar no escuro os frutos do furto. Reza o manual do bom ladrão, décima quinta edição, que, depois da fuga, a lanterna deve descansar, para não chamar atenção de curiosos, não despertar suspeitas dos desconfiados. Josué todos os sábados realizava investidas diferentes, sentia que seu sangue quente ainda corria em suas veias de açúcar, estava completamente viciado no prazer de sentir suas veias derreterem devido ao gozo do ato ilícito. De tão competente fez-se conhecido, fez-se temido e admirado... esfomeados do mundo, uni-vos! Para Josué, roubar de pobre custava caro, custava o sono, roubar de rico... Ah, era lindo. Tranquilo em mais uma noite de trabalho, vitimou dessa vez uma joalheria, saiu devagar como nunca houvera feito, ficaram pelas vielas os furtos do trabalho, ouros, pratas, joias belas, na lama, na terra para o povo sofrido. No regresso para casa desprevenido, sua lanterna é o lume do caminho, ele pensava ainda estar sozinho, ledo engano... A companhia não tardou se apresentar. Ouvira apenas os três estrondos, o som do sangue escorrendo leva a lanterna ao chão, apressou o passo de vota ao lar, depois de emboscado, se via ferido, em frente à casa entoou apelo... Freeedeeeriiico. Bradou, estridentemente de fora da porteira, com um grito agudo, atípico. Seus passos pareciam embriagados, ignorando os carrapichos por entre as marcas das rodas de carroça na estrada, sua cabeça pendia meio curvada como se fosse descomunal o esforço de mantê-la erguida e seu olhar estava cansado, sedento por chegar. O tempo ainda úmido, do chuvisco que pingou durante toda madrugada, o nevoeiro que cobria a rua já se dissipava, nos primeiros e ainda frios raios de sol. Aos olhos do Josué nada era claro, tudo ainda carecia de nitidez, correndo, chamou novamente e, dessa vez já quase sem fôlego, Josué não percebera o tempo, que, como uma pluma voava com leveza e suavidade, fugindo para longe dele, e a cada passo, a cada pensamento seu, os instantes pareciam cada vez mais escapar pelos dedos. Termômetros marcavam bem menos que cinco graus, no exato momento em que ele entrara, cambaleando pela porta a dentro, já no casebre, foi, aos trancos, ter de perto com o capacho de pele de ovelha no interior da casa. Frederico apressa-se para aquecer o irmão, poupá-lo dos perigos de uma eventual hipotermia, esforço improfícuo, já não era o frio que incomodava mais, em boa verdade o frio se mostrava sedativo. Havia algo de errado. A cada segundo que passava o fôlego de Josué escorria como o sangue que jorrava dos três ferimentos de suas costas. Ferimentos adquiridos na emboscada dessa noite. Ele não queria joias, tudo que Josué desejava era ser como Frederico. Desde quando saíram do orfanato, os dois irmãos ocuparam aquele casebre abandonado, onde moravam. Juntos formavam uma boa dupla na dura tarefa de sobreviver, se faltasse jantar sobrava poesia, se complementavam, enquanto Josué era atlético, astuto, frio e de escrúpulo duvidoso para os padrões da sociedade paulista de 1910, Frederico era bom menino, cheio de fé, de moral e bons costumes, além de naturalmente belo; a vaidade era um forte traço de sua personalidade, amealhara centavos desviados até das refeições para usufruir do privilégio de usar camisas novas. Frederico, trabalhador honesto, ainda trêmulo, segurava o corpo do irmão inerte, sem forças para nada mais. Chegaram as lágrimas como primeiras convidadas do velório, encharcaram os lírios férteis de luto. Frederico, agora se depara sozinho diante da própria existência. Seria a solidão capaz de criar um novo homem? Frederico era outro e ainda não sabia onde por toda sua vaidade remanescente, aquela que herdara do Frederico que morreu junto com Josué. Sem vontade nenhuma de ser, ele não vislumbrava mais utilidade em suas camisas novas, em seus sapatos limpos, quando na mesa da ceia, sobrava nada e isolamento. Nesse dia não vieram amigos ao velório, em uma celebração solitária Frederico gozou a derradeira proximidade dele com o irmão e com o ele que morria junto. Os dias vão avançando, a excitação provocada pelo susto já não afetava seu organismo, tudo que ele sente não é frio nem fome, dor nem maldade, em seu coração nada mais habitava, as frases que brotavam de Frederico de Castro nasciam das profundezas de sua dor e assaltavam sua boca, pareciam inaudíveis a todos que ainda guardavam preconceitos em porões de navios negreiros.
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segunda-feira, 4 de março de 2013

O ponto

 
Marcelo Souza
 
Faz tempo que não o vejo, mas,
a meia noite de ontem, recebi um bilhete.
Um garoto parecia dizer nada com ele.
O branco do papel só interrompido por um ponto.
Esse é o poema mais curto já criado.
Todo texto se resume no ponto final,
só leva anexos sentimentos.
Pensei que pudesse ser engano,
pensei que pudesse ser loucura,
para poupar tinta me escrevera um ponto.
O ponto me contou segredos,
disse alem do vernáculo,
me disse que sentia saudades,
me deixou com vontade de ouvir mais.
Agora sei que marquei o poeta,
compreendi que eu lhe roubei 
todas as palavras.
 
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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

SEMÂNTICA DE BOTECO - SÓ NÃO PODE XINGAR


por Marcelo Souza

Na pelada, ou melhor, no futebol informal
De nossos amigos cristãos
É terminantemente proibido
Fazer uso de palavrões
As palavras só levam a fama
Haja vista que os mesmos sentimentos
Podem ser expressos por termos genéricos
A saber:
Poxa é porra
Caramba – caralho

E quem grita misericooooooooordia
De um modo mais vil
É o mesmo que dizer
Um grande “PUTA QUE PARIU”


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terça-feira, 28 de agosto de 2012

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por Marcelo Souza

A casa está escura, só entram luzes pelas frestas nas janelas e nos telhados. Contudo, acabo de lustrar as paredes, posso ver nelas o meu reflexo. Eu, como a lua, tenho uma parte indigesta e iluminada, e uma parte sombria e digerível. Quando alguém abrir aquela porta no final do corredor, já estarei saciado, e uma luz mais intensa vai tornar tudo muito claro para meus olhos. Nunca deixei de ser criança, mas agora ficar sozinho não me assusta mais, exceto esta sensação de que meu corpo é pequeno para as minhas ideias e a vida é breve demais para que eu fique aqui sozinho fazendo poesias.

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segunda-feira, 23 de julho de 2012

De quem é a culpa?


Por Marcelo Souza
 
Em geral, o grande problema dos partidos políticos envolvidos nos movimentos sociais é que ocorre uma disputa de poder, na qual, o partido busca ganhar espaço para impor suas políticas. Quando isso ocorre o foco do movimento sai das bandeiras históricas da classe trabalhadora e passa para o benefício do partido ou o impacto nas eleições.

É lamentável que a greve dos professores do estado da Bahia tenha chegado tão longe, é triste que seja necessário fazer mais de 100 dias de greve para ser ouvido pelo governo, quando suas reivindicações não passam de exigir que seus direitos sejam respeitados. Mas isso é o estado, você é obrigado a cumprir suas obrigações e têm a todo momento seus direitos tolhidos.

É obvio que o governo do PT sabe da legitimidade da greve. Eles não são tão ingênuos de acreditar que todo esse movimento seja uma mera manipulação da direita. Contudo ficam repetindo esse discurso na expectativa de tentar justificar o injustificável

A postura autoritária do governo prejudica e muito o povo, inclusive os próprios correligionários, pois debilita a imagem do partido em lugares onde o PT ainda representa de fato uma alternativa para os trabalhadores. Então, se esses lugares existem, se ainda existe um alguém com vergonha na cara nesse partido, alguém com os ideais do PT dos anos 80 por aí, saibam que vocês estão sendo prejudicados pela postura inflexível e opressora do governador.

É claro que a oposição ao governo do PT tenta fazer uso do movimento para obter vantagens eleitorais, mas para evitar isso o governador da Bahia deveria ter mais habilidade política, sentar e negociar com os professores há muito tempo. Se Wagner tivesse essa competência, a greve não passaria de duas semanas. Sendo assim a culpa das crianças e jovens estarem fora das salas de aula é sim do governo. E se o desgaste político que essa lástima de mandato do PT vem tendo frente a mobilizações de diversas categorias implicar em derrota nas urnas, problema deles, todos eles são no fundo da direita mesmo. Triste é que não existam opções, e mais triste é ver que os antigos companheiros de luta preferem pensar dogmaticamente que o partido é a luz, a verdade e a vida, seja qual for a postura do partido.

A greve vai acabar, mais cedo ou mais tarde, mas a mobilização contra as posturas de desrespeito do governo tem que continuar, nas ruas nas salas de aula. Não finjam que nada está acontecendo.
Aos professores, reverência.
Aos estudantes, força.
Ao governo falo em “bahianês”: PAGUE A PORRA DO PISO!

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quarta-feira, 4 de julho de 2012

COMER E VIAJAR


Marcelo Souza
(do livro: "A atriz e o poeta" - 2009)

Não dormi a noite inteira
os galos do vizinho sofriam com o fuso horário
aquela atmosfera de fumaça
a luz atravessando a vermelha bandeira que cobria a janela

Ainda meio entorpecido
via seus lindos contornos
em meio a lençóis e cinzas
decoradas por luas e astros.

Olhei-te admirado, assim bobo, assim pasmo.
durante horas
você era liberdade e revolta
descansava de bruços
deitada nua em minha frente
bem perto do meu afago
sobe a fraca luz do sol que nascia

As quatro melhores coisas do mundo
você conhecia bem: “comer e viajar”
eu sempre esperei mais um pouco
por seus olhos por seus beijos loucos
ou simplesmente para desejar-lhe...
um bom dia.

                                               Maio de 2007
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terça-feira, 22 de maio de 2012

Ensino de Física no Sertão: Literatura de cordel como ferramenta didática



por Marcelo Souza da Silva e Daiane Maria dos Santos Ribeiro

O  trabalho  com  Física  do  cotidiano, com  equipamentos  tecnológicos  ou  aspectos naturais  nas aulas  de  física,  constituem importantes componentes para o processo de significação do saber da ciência física. No que se refere  à  utilização da  cultura popular  nas aulas  de  ciência,  é  possível levantar questionamentos como: qual o alcance de uma proposta  para  atividade  educacional  com  a utilização de materiais relacionados à cultura popular?  É  possível  construir  e  exercitar cidadania ensinando  ciências?  Uma  boa compreensão  de  como  se  produz  o  saber científico  ou  como funciona  um  brinquedo folclórico  pode  se  dá  com  o  auxilio  das produções artísticas? Atualmente a pesquisa em ensino de ciências aponta alguns motivos para relacionar ciência e arte, argumenta-se que ao dinamizar as aulas de Física, torna-se explícito que as aulas de ciências, não precisam ser frias e impessoais,  mostrando  o  mundo  como  se estivéssemos fora dele, ou aparentemente sem nenhuma sensibilidade (Azevedo at. al., 2007). Assim, uma aproximação entre ciência e arte pode  ajudar  a  combater  estereótipos  que colocam  o  artista  como  um  sujeito prioritariamente  sensível  e  o  cientista  como puramente racional, quando na realidade o que existe nas artes e na ciência é uma mistura de razão e sensibilidade na formação e práxis do cientista e também do artista.


Baixar texto completo em:
http://periodicos.ifsertao-pe.edu.br/ojs2/index.php/revista/article/view/61/75

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sexta-feira, 11 de maio de 2012

A jega recebedeira



Tau Tourinho
Lucas Virgolinho
Gabriel Lopes Fontes

A mais nova produção documental do NOVOCINEMANOVO, "A Jega Recebedeira" é uma audaciosa abordagem cinematográfica da zooofilia, que, embora ainda tratada como tabu pela intelectualidade citadina, está indiscutivelmente entranhada na nossa cultura popular e na práxis sexual de inumeráveis cidadãos interioranos. Realizado inteiramente no Recôncavo, o filme intercala entrevistas com especialistas como o psiquiatra João Sampaio, o psicólogo Paulo Galvão, o veterinário Geraldo Sampaio e o pastor batista, também psicanalista freudiano, Reverendo João Carlos, com depoimentos espontâneos de fantásticos tipos populares como a Profa. Tonha, cujo animal de estimação é a jega Silibrina, o irreverente Seu Déti, o puritano Migué da Mandioca Grande, o fanho Caneco e o macabro Careca. O resultado fílmico final é não só uma avassaladora avalanche de risos como um estudo jamais feito sobre a zoofilia.
 
Exibido em sessões fechadas para platéias compostas por representantes dos mais variados extratos sociais, "A Jega Recebedeira" já demonstrou que não só seguirá a trilha de sucesso das produções anteriores do NOVOCINEMANOVO como, certamente, irá muito mais além.
 
O Movimento NOVOCINEMANOVO pela renovação do documentário nacional foi desencadeado e é liderado por Tau Tourinho, Lucas Virgolino e Gabriel Lopes Pontes. Seus filmes constituem objeto de estudo em universidades Brasil afora e repercutem positivamente no país e no exterior.

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terça-feira, 17 de abril de 2012

Preconceito do vendedor de livros


por Marcelo Souza

Estávamos as duas, Jade e eu, preocupadas com as teses e testes que a vida impõe. A ideia de que as regras sempre mudam na minha vez, não saía da nossa cabeça. Por que é sólido dizer talvez? Por que é um passo em cada mês? E refrescar o planeta numa tigela é tomar mais de uma tigela de açaí, seja com granola, seja com morfina... pediria talvez duas ou três. Em um bar de burguês, um poeta se veste de vendedor, e oferece sua criação como mãe que vende a filha, e dá preço ao inestimável. Contudo outras são suas necessidades e as prestações batem à porta. Todos que estavam de chinelo e assanhados, como eu e Jade, não sofreram seu assédio. Não parecíamos rentáveis aos olhos do vendedor de livros. Apenas admirávamos a beleza do poeta vendedor de arte fabricada para vender. Não tentar nos vender um só livro pode ter sido um elogio da parte do poeta ambulante. Aos seus olhos, ou parecíamos ignorantes, ou pobres. Parecer ignorante, infelizmente, é parecer com povo, mas, felizmente, é ser diferente de elite e, embora sejamos cultas, fazemos questão de continuar sendo povo.

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terça-feira, 3 de abril de 2012

Calourada 2012!!!



por Marcelo Souza

(Isso aqui é quase uma ata de reunião)


Não costumo fazer atas, reportagens, crônicas, diários de bordo ou qualquer coisa parecida, no entanto, gostaria de guardar muitas reflexões e experiências que brotaram no contexto social da festa. Às vezes, registrar faz bem. Eu acredito que um episódio festivo está para, além de celebrar uma causa, ser uma boa oportunidade para provocar em si mesmo sensações, das mais primitivas às mais elaboradas. Para mim, a noite de hoje foi um banquete e eu pretendo compartilhar esse alimento. A calourada é uma festa realizada para recepcionar os calouros e para outras "cositas mas". Espero conseguir sugerir ao menos uma caricatura de alguns eventos tênues que ocorreram naquela noite interessantíssima. Particularmente, eu adoro a noite, ela traz um turbilhão de viagens e sensações. Uma noite pode ser cheia de alegrias e sofrimentos, cheia de esperanças e desencontros, cheia de anseios e descasos, ou apenas uma vaga e solitária noite, e nesse caso não foi.


A noite de hoje promete! Passei o dia inteiro desejando uma palestra sobre música e uma apresentação de Jazz, marcada para as dezenove horas. Infelizmente não fui a esse evento que, eu suspeito, faça parte da calourada. Eu queria muito ter ido à palestra e ao jazz, mas me empolguei com alguns resultados experimentais e, como de costume, fiquei trabalhando até mais tarde. A caminho de casa lembrei que dia 2 de abril é mundial de concientização sobre o autismo, fiz breves reflexões a respeito dessa síndrome, ou melhor dos preconceitos e dificuldades que os portadores de autismo enfrentam. Interrompendo minhas reflexões, o barulho da calourada interrompeu, também, a ida pra casa por algum tempo. A prioridade agora é comer alguma coisa, afinal de contas mais cedo ou mais tarde eu chego em casa. Uma grande amiga minha diz assim: “Marceleza seus caminhos são tortuosos, volta e meia você se perde” isso é verdade, raramente meu passeio é linear. Mas eu sempre chego. Rsrsrsrssrsrsr.


Mas vamos andando que a barriga reclama o jantar. Entre o laboratório e o espaço da calourada, recebi mais de 15 cacarecos de merchandising - até guardei alguns para ficar brincando no evento - muita gente falando comigo pra comprar isso, assinar aquilo, mas ninguém falou nada ainda sobre o autismo. Nem falariam, pois, especialmente naquele dia, a universidade estava com outros interesses. Dei algumas voltas no espaço onde se apresentariam bandas de diversos estilos, e tive a certeza que não ouviria mas jazz naquela noite. Acho até que, se eu tivesse ido ao concerto, não teria clima (estômago) para os carros de som e o swingão. E as pessoas continuam, o tempo inteiro me chamando, os amigos me chamava para beber, resenhar etc. E os vendedores me chamavam para consumir. Eu acho foda essa investida do comércio, bancos, operadoras de cartão de credito e afins nas calouradas. Parece até que o primeiro trote sofrido pelo calouro quem dá é o banco. Imagine: o cidadão entra na universidade e o banco já lhe dá um cartão com limite de 200 conto que provavelmente vai ser detonado, o cara gasta 200 e vai pagar 600 de juros, multas etc. Mas como normalmente o calouro vai gastar com festa e birita ele ainda acha bom ter sofrido o “trote”. Se existisse crime perfeito, certamente deveria ser um crime onde a vitima ficasse satisfeita em ser lesada.


Tive com duas pessoas interessantíssimas e viajamos nos bambuzais que deram origem a prédios de concreto. Os caras saíram pra fazer fumaça universitária e eu fui tomar minha cerveja quente. Foi quando encontrei os colegas de curso, para combinar com minha cerveja quente, troquei o jantar pelo cachorro de mesmo sobrenome da cerveja. Sempre me sujo todo quando como cachorro quente, mas e daí? É calourada vamos receber o pessoal novo com o que há de melhor na universidade e o cachorro quente estava bom (ou eu estava com muita fome). Depois de saciar a ânsia do meu corpo por alimento, fui tentar saciar a ânsia por poesia. E foi muita. Pena que, eu acho que, quase todo mundo voltou da calourada com essa subjetiva fome, ou pior sem sequer saber que é bom saciá-la.


Ao lado de uma colega que eu, brilhantemente, descobri que estudava química, eu tomava outra cerveja, agora gelada, e me auto declarava o presidente da Associação Estadual Das Pessoas Sérias Demais (AEPSD). Mas fui destituído imediatamente por uma crise de riso da garota da química. Ela riu de um jeito que iria acabar com a seriedade de qualquer um.


Pronto. Aí passaram por mim quatro pessoas que eu já esperava. Estavam belíssimas perfumadas e elegantes, chamei-os e a garota da química foi com eles dar uma volta, eu resolvi ficar onde estava por dois motivos: o primeiro é que eu prefiro beber cerveja em lata próximo da lixeira o outro é que eu ainda tinha planos de ir pra casa tomar um bom banho - pô! todo mundo estava limpo e eu ficaria sujo? Bem, não me importei muito com isso não. Aquelas palavras que pareciam mesmo profecias “Marceleza seus caminhos são tortuosos, volta e meia você se perde”. Resultado, não fui pra casa ainda.


Então os cinco voltam, eu não vou citar o nome dos cinco, porque, sem dúvida, vou errar uns quatro ou mais. Eles eram: A garota da química, um rapaz que ganhou logo minha simpatia quando disse que já havia jogado no esquadrão, uma amiga, e mais duas irmãs. Eles me levam para onde estavam. Ai foi um fuzuê, muita gente conhecida junta de outros que eu acabara de conhecer. Aqui cabem duas pontuações: Uma menina bonita sabia sobre a fita azul, difícil de comentar isso, mas não foi a única vez que me faltaram palavras durante aquela noite; eu ainda ficaria com pensamentos outros que se recusavam a sair, por não saber se eles poderiam ou não magoar alguém. Além disso, um rapaz perguntou pra outra menina se eu era gay, pensei na hora: porque os homens gostam de assediar as mulheres mesmo sem saber se agrada a elas ou não o assédio, mas não se permitem ser assediados? Ainda que a situação lhe seja incomoda... Será que eu é que estava sendo assediado? Aí pronto, o negócio virou carnaval e, como tal, é claro que dei uma forcinha para a folia da liberdade, exagerando nos gestos e no chilique.


Na frente da barraca de Letras, eu e o raulseixista Thiago (de Letras) refletíamos sobre o samba de qualidade duvidosa que a galera tocava, ainda iria rolar um arrocha e um forró. Em suma, nosso papo foi o seguite: Arrocha é revolucionário, tomara que ele não seja cooptado como as camisas do Chê. O samba tava mal tocado, o repertório mal elaborado, a esperança estava no forró. As voltas com os malucos de BR no campus e os seguranças o tempo inteiro olhando pros “suspeitos” porque são diferentes. Durma aí com um barulho desses... A melhor coisa dessa festa assim, tipo baixaria, dentro da universidade é que ela se pinta de povo, a comunidade vai, entra no campus. Seria muito bom se outros prazeres pudessem ser divididos com nossos convidados, mas o que se via o tempo inteiro era: os seguranças olhando os não universitários. É triste ver quanto preconceito existe na instituição que deveria pensar alternativas de promoção da igualdade. E para não dizer que não citei Raul: “Pra que pensar se eu tenho o que quero uma nega meu bolero a tv e o futebol”.


Os preconceitos continuam... E não são apenas por parte da segurança. Um estudante de doutorado conseguiu, eu acho, bater o recorde mundial de preconceito em uma única frase. Infeizmente não consigo lembrar e reproduzir ao pé da letra toda merda que eu ouvi daquela criatura nefasta, mas ele agrediu ao mesmo tempo negros, baianos, mineiros, maconheiros, gays, analfabetos. Enquanto esse cidadão fazia do meu ouvido penico, eu prestava atenção na mais bela imagem da noite. Eu não queria sair dali para não deixar de ver meu objeto de contemplação, e o cara não parava de falar merda. Mas a poesia venceu, foi o momento mais se emocionante da festa. Uma senhora que aparentava uns 60 anos e catava latas de cerveja no chão e no balde de lixo, encontrou um livro velho em meio às latas, se afastou da multidão e entregou o livro aos farrapos para uma criança que sentava à sombra, na calçada de um prédio da universidade. Ela passou um bom tempo ali com o guri. Eu fiquei imaginando o que ela havia dito a ele. E com todo barulho que estava fazendo, o moleque ficou concentrado no seu mundo, alheio à festa, aos desejos dos adultos. Ele ficou brincando de estudar, talvez em busca de fazer por merecer o esforço da senhora (que eu penso ser sua avó), em lhe tentar propiciar um futuro melhor. Tomara que esse menino entre na universidade daqui a alguns 10 ou 15 anos, se ele sobreviver, tomara que ele lembre de todas as latas de lixo e de cerveja que os universitários jogavam no chão, e sua avó se abaixava para pegar, esquivando as mãos enrugadas das pisadas do baile. É pena que quase ninguém se permite sentir essa beleza triste, parnasianamente falando: "Vocês não sabem o deve saber da neura latino americana e do lama do Tibet" (Antonio Márcio).


Voltando à festa, sai de onde eu estava e fui até a barraca de Letras. No meio do caminho, encontrei um professor anarquista que, assim como eu, estava parcialmente embriagado. Fiquei feliz em vê-lo, ele é sem duvida um bom exemplo, como homem do povo, como pessoa que sabe que da vida o importante é gozar e ser feliz. A caminho da barraca, encontrei as meninas de Letras, elas são muito massa, tinha muito tempo que eu não as via, lembramos da viagem para Salvador, das leituras de cordel... foi uma onda... foi ótimo revê-las. É uma pena que essa galera não se reúne, isso é mais uma coisa que eu acho que os calouros não devem esquecer, manter contato com seus amigos. Volta e meia eu saia de onde estava o pessoal para buscar cerveja ou tirar cerveja do joelho, nesse ir e vir tentei dar rumos diferentes para a noite, rsrsrsrs, não deu... a noite seguiu seu próprio rumo. E todo mundo ali estava cheio de desejos, tinha um bêbado dando em cima de uma garota legal da física médica, rsrsrsrsrs, foi muito engraçado, ele dava em cima dela e eu fingia dar em cima dele, resultado da brincadeira: o cara acabou se afastando e eu e minha nova amiga resenhávamos. Quando eu resolvi parar de beber, chegou uma lata de cerveja geladinha em minha mão, não podia ter sido antes? Eu não sei se foi mandada pelas meninas das Letras, ou pelo bêbado supracitado, mas, independente do autor da gentileza, eu passei a lata pra frente, e aquela cerveja não foi a única coisa que eu consegui dispensar, isso foi bom. A partir daí, fui obrigado a ouvir, a cada minuto, meus amigos pedindo para que eu parasse de beber, isso é curioso, enquanto eu estava bebendo ninguém falou nada, quando eu parei a galera continuou achando que eu estava enchendo a cara. Rsrsrsrsrs.


Machismo é uma coisa terrível. Nossas belas amigas eram o tempo inteiro assediadas. Isso poderia até ter colocado todo mundo em uma situação tensa. Algumas meninas estavam com seus namorados e mesmo assim os boyzinhos malhadinhos davam em cima. É preciso ter cuidado e autocontrole, essa galera pensa que os músculos deles resolvem tudo. Na Universidade, as coisas se resolvem com argumentos e não com braços, mas não sei por que não me surpreendo a postura dos universiotários! O desenrolar do bafafá... Não deu em nada pois como diria o Dadinho: “Nois é pequeno mas é ruim.” Rsrsrsrsrsr. A gente não deu pra traz diante daqueles manés malhados e não rolou mais esse tipo de incômodo. Isso foi bom, porque é boa a sensação de que seus amigos estão com você também nas situações difíceis.

(Me lembro do filme Quincas berro d’Água houve uma briga no cabaret kkkkkkkkkkkkkkkkkkk, o palhaço Curió botou pra arrombar. Acho que todo boêmio deveria assistir àquele filme e ler o livro.)


Ainda choveu. E como bom seria se a chuva pudesse diluir os papéis arrogantes e deixar apenas o que é humano.. Eeu pulei, dancei e sapateei na chuva, ou melhor eu pulei e dancei com a chuva. Essa pequena correção faz muita diferença: é que a chuva é minha amiga e não se pula na amiga, se pula com a amiga. É muito bom se sentir livre e a natureza me dá isso, a chuva me dá isso, não é que eu não me importe com o resfriado, é que esse contato me faz bem.


No final de tudo ficaram coisas boas: Conheci quatro pessoas muito legais duas irmãs, um ex jogador tricolor, e uma garota da física médica. Espero poder cultivar essas novas amizades. Além disso, revi amigos antigos, resisti a algumas tentações, falei tudo que eu queria falar, senti tudo que eu queria sentir e fiz o que me foi possível fazer. Ainda tive o prazer de ver a preocupação de gente que eu já gosto muito e continuo aprendendo a gostar cada dia mais, preocupados se eu gostei da festa, se eu estava bem etc. Mas a principal preocupação era para que eu não me perdesse no meio do caminho. E foi assim, acabando a noite, ouvindo reagae indo pra casa. Foi realmente um grande prazer, foi lindo. Ficou faltando ver o sol nascer. Mas eu ainda espero estar vivo para ver o sol nascer outros dias e tudo que faltou pode ser retomado a qualquer momento, ou não. Assim é bom viver acertando e errando, sentindo as coisas. Muito obrigado a todos e todas por uma noite tão intensa, é bom ser amigo e ter amigos, é bom ser autêntico, é bom ser feliz.


Sobre a calourada serviu a meu ver, para apresentar ao calouro a universidade. Um espaço burguês, insensível, chulo, reacionário, preconceituoso, capitalista, que precisa ser repensado. Torço para que aquela criança que recebeu o livro sujo e rasgado não se converta no que hoje é a instituição que lhe apresentam como a promessa de um mundo melhor. Espero que essa criança não pense que um diploma será sua redenção e não troque sua vida por um canudo de papel. Tomara que ela não acredite que vale qualquer coisa para ter boas notas. Torço para que todos possam compreender que a poesia dá o verdadeiro sabor das coisas. Não larguemos o diferente ou o novo no meio da rua, para vagar, apodrecer e feder, e só depois descobrir que o que conforta a alma algumas vezes arde no corpo e vice versa. Por isso é que a boca pede mais que apenas um sabor.

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segunda-feira, 5 de março de 2012

Descanso


Marcelo Souza


Foi ao passeio

Olhou-se na sombra

Arrumou o cabelo

Remendou a sandália

Desceu a montanha

Já é madrugada

Estas nossas memórias

Em olhar distante

Pelo retrovisor

Parecem mais longes

Parecem estar mortas

Ou fora de foco

Mas ficam intensas

No fim desse copo

No fim dessa rota

Só era um corpo

Com cinto apertado

Já volto a cena

Se fosse cinema

Seria uma viagem

Mais tarde te conto

Coberto de manto

Olhando a paisagem


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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Cultive



Marcelo Souza

Expectativas e desencontros
Pesavam nos olhos pensativos,
Sob ritmo gratuito das angústias e vacilações.
Em todo canto, a todo instante, desmoronou-se
Tudo que em outro momento foi grande.

Agora que já não me cobras mais,
Me preparo para despachar o Mal.
Entendo que de fim é que se faz começo,
Na procura de uma esperança nova,
Um novo conforto onde eu possa me supor.
Outra pessoa que me faça bem
Ou que eu possa te imaginar.

Aquele nosso amor teve raízes profundas
Essas raízes, da terra, sugavam beleza e dor
Quando precisei refugio dessa terra
Paz e descanso nem afagavam o meu ser
Novas procuras me completam,
Mas não deixo de lembrar de você

Ela tomou tudo que era seu
Mas o talento de me fazer mal vem com o tempo.
Tenho uma coisa que nunca muda
A capacidade de gostar e desgostar
Facilmente.

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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Domingos



Luís César Padilha

Águas cintilantes do oceano, sol na moleira e parafina, sons de festa na posse da alegria e os cobertores me rodeiam. Os quartos são iguais, a não ser pelo cheiro ou endereço. A mesma escuridão, a mesma ingratidão desse espaço sem pulso, sem olhos, sem ouvidos. A luz de uma tela me faz ser alguém no mundo. Em outro mundo. No mundo dos outros. O meu mundo são quatro paredes, ou cinco, oito. São três ou quatro portas. Meu limite é uma porta. Eu fecho a porta. Construo minhas novelas, romances. Faço minha história de dor no que vivo resplandecer a alegria do que vivi e me transformar em saudade. Meu futuro é a dúvida. De tudo que faço, gosto apenas de ser o que fui. Não me vejo como quero. Nem os outros me veem como sou. Dizem que sou solidão. Eu digo que sou amor.

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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Cavando cismas


Luís César Padilha


Era a mesma rua, a mesma lua, a mesma crua imagem humana detida pelos prantos incontroláveis. Com a mesma doçura, pediu aos céus. Com a mesma bravura, olhou para a frente. Caminhou sem conter o pranto. Fez a última reverência, sentindo o cheiro da madrugada. Aceitou um abraço. Um beijo. Confirmou não ser sonho. Enfrentou o gosto da rejeição, como autoagredisse. Fingiu ser o mais amado dos homens. Riu sem conter o pranto. Era bom rir. Todos enxergavam o riso. O pranto não cessava, porque o sonho rejeitou a realidade. Era bom chorar.

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