sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Lapso de sortilégio


(Luís César Padilha)


Avisaram que a noite chegaria rápido. Pensou se viria a escuridão ou as estrelas. O baile era longo. Descortinou sua janela voltada para o futuro e não enxergava horizonte. Mesmo assim, começou seu caminhar em busca de um não sei o quê que nunca encontra e não pára de buscar. Aceitou e cumpriu a rotina. Seguia os passos de sempre e deparou-se com a pele morena, com os cabelos cacheados. Depois foi flor no jóia. A flor disse desde que. O jóia disse assim. Ela falou em luar. Ele insistia em números. E encaixaram seu olhares, vislumbraram enxovais e calcularam fins de semana. Sorria sentada; em pé, manquejava. Sorria sentado; em pé, desertava. Disse que a noite chegou rápido e não ouviu que os bons momentos faziam esquecer o tempo. Antes de retornar para a linha reta, passou pela festa. Distraiu-se com o tiro ao alvo da esquina. Engoliu litros de própria saliva. Ainda caminhou sem colher pedras pelos sapatos. Percebeu um x ao olhar pra trás e não pesou calcular. Contemplou mais uma vez sua janela sem horizonte. O poste em frente apagou.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Dor de visionária


O trecho a seguir foi extraído do livro Santo Antônio de Jesus, sua gente e suas origens de autoria de Hélio Valadão.

"... dia 11 de dezembro de 1998, às 11 horas e 45 minutos aconteceu a maior tragédia de todos os tempos em Santo Antônio de Jesus e, segundo comentaristas da televisão, o maior acidente com fogos acontecido no país.

Dessa vez o estampido foi muito mais forte, ouvido até nas cidades mais próximas. Toda a população ficou alarmada e correu para o bairro de Juerana, próximo ao local onde acontecera a explosão. O número de feridos foi tão grande que ocupou o hospital local, os hospitais públicos de Salvador e, ainda, o Governo teve de pedir auxílio aos médicos dos hospitais particulares. Os corpos eram transportados aos montes a toda velocidade para a capital. O governo foi omisso todo o tempo. Depois que ocorreu a tragédia ele foi extraordinário, cumpriu seu dever. Mas, apesar da sua eficiência em socorro às vítimas, faleceram 64 mulheres, entre as quais 25 menores de dezesseis anos, uma delas estava grávida. Os médicos conseguiram salvar a criança. Um jovem apresentou-se como seu pai. Exigiram-lhe um exame de DNA que confirmou a sua paternidade. Sabe-se que pai e filha residem hoje na ilha de Itaparica e que ela foi batizada com o nome "Vitória".

[...]

Coincidência, uma das vítimas, Fabiana Santos Rocha, menina de 14 anos que faleceu juntamente com suas duas irmãs, Adriana e Mônica, iria crismar-se no domingo vindouro e algumas semanas antes da morte ela escreveu a seguinte poesia:



Quando eu me chamar saudade

Sei que amanhã, quando eu morrer,
os meus amigos vão dizer que eu tinha
um bom coração.
Alguns vão chorar e me homenagear.
Mas, depois que o tempo passar,
nem vão se lembrar que eu fui embora.

Por isso eu penso assim:
Se alguém tem algo a fazer por mim,
que o faça agora.
Dê-me flores em vida, carinho e
mão amiga para aliviar meus "ais".
Porque, depois que eu for embora, me
chamarei "saudade", não preciso de
vaidade, quero paz e nada mais."

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Códigos do acaso


(Luís César Padilha)


Empreste-me seu céu, seu sol, suas sombras.
Permita-me ser aquilo que você nunca quis revelar.
Reerga seus véus e seus nós.
Reviva seus medos.

Verter músculos em consciência
é tentar amar sem perder o engano,
é transformar lavoura em família
e se firmar em uma ilha
afastada dos tiranos,
resistente a carência.

E não vou entender amor com lágrimas,
se não traduzir alegria.
Pois seu céu de desejo
com a luz fecunda
construirão sob seus pés
o espectro do viver.