terça-feira, 3 de abril de 2012

Calourada 2012!!!



por Marcelo Souza

(Isso aqui é quase uma ata de reunião)


Não costumo fazer atas, reportagens, crônicas, diários de bordo ou qualquer coisa parecida, no entanto, gostaria de guardar muitas reflexões e experiências que brotaram no contexto social da festa. Às vezes, registrar faz bem. Eu acredito que um episódio festivo está para, além de celebrar uma causa, ser uma boa oportunidade para provocar em si mesmo sensações, das mais primitivas às mais elaboradas. Para mim, a noite de hoje foi um banquete e eu pretendo compartilhar esse alimento. A calourada é uma festa realizada para recepcionar os calouros e para outras "cositas mas". Espero conseguir sugerir ao menos uma caricatura de alguns eventos tênues que ocorreram naquela noite interessantíssima. Particularmente, eu adoro a noite, ela traz um turbilhão de viagens e sensações. Uma noite pode ser cheia de alegrias e sofrimentos, cheia de esperanças e desencontros, cheia de anseios e descasos, ou apenas uma vaga e solitária noite, e nesse caso não foi.


A noite de hoje promete! Passei o dia inteiro desejando uma palestra sobre música e uma apresentação de Jazz, marcada para as dezenove horas. Infelizmente não fui a esse evento que, eu suspeito, faça parte da calourada. Eu queria muito ter ido à palestra e ao jazz, mas me empolguei com alguns resultados experimentais e, como de costume, fiquei trabalhando até mais tarde. A caminho de casa lembrei que dia 2 de abril é mundial de concientização sobre o autismo, fiz breves reflexões a respeito dessa síndrome, ou melhor dos preconceitos e dificuldades que os portadores de autismo enfrentam. Interrompendo minhas reflexões, o barulho da calourada interrompeu, também, a ida pra casa por algum tempo. A prioridade agora é comer alguma coisa, afinal de contas mais cedo ou mais tarde eu chego em casa. Uma grande amiga minha diz assim: “Marceleza seus caminhos são tortuosos, volta e meia você se perde” isso é verdade, raramente meu passeio é linear. Mas eu sempre chego. Rsrsrsrssrsrsr.


Mas vamos andando que a barriga reclama o jantar. Entre o laboratório e o espaço da calourada, recebi mais de 15 cacarecos de merchandising - até guardei alguns para ficar brincando no evento - muita gente falando comigo pra comprar isso, assinar aquilo, mas ninguém falou nada ainda sobre o autismo. Nem falariam, pois, especialmente naquele dia, a universidade estava com outros interesses. Dei algumas voltas no espaço onde se apresentariam bandas de diversos estilos, e tive a certeza que não ouviria mas jazz naquela noite. Acho até que, se eu tivesse ido ao concerto, não teria clima (estômago) para os carros de som e o swingão. E as pessoas continuam, o tempo inteiro me chamando, os amigos me chamava para beber, resenhar etc. E os vendedores me chamavam para consumir. Eu acho foda essa investida do comércio, bancos, operadoras de cartão de credito e afins nas calouradas. Parece até que o primeiro trote sofrido pelo calouro quem dá é o banco. Imagine: o cidadão entra na universidade e o banco já lhe dá um cartão com limite de 200 conto que provavelmente vai ser detonado, o cara gasta 200 e vai pagar 600 de juros, multas etc. Mas como normalmente o calouro vai gastar com festa e birita ele ainda acha bom ter sofrido o “trote”. Se existisse crime perfeito, certamente deveria ser um crime onde a vitima ficasse satisfeita em ser lesada.


Tive com duas pessoas interessantíssimas e viajamos nos bambuzais que deram origem a prédios de concreto. Os caras saíram pra fazer fumaça universitária e eu fui tomar minha cerveja quente. Foi quando encontrei os colegas de curso, para combinar com minha cerveja quente, troquei o jantar pelo cachorro de mesmo sobrenome da cerveja. Sempre me sujo todo quando como cachorro quente, mas e daí? É calourada vamos receber o pessoal novo com o que há de melhor na universidade e o cachorro quente estava bom (ou eu estava com muita fome). Depois de saciar a ânsia do meu corpo por alimento, fui tentar saciar a ânsia por poesia. E foi muita. Pena que, eu acho que, quase todo mundo voltou da calourada com essa subjetiva fome, ou pior sem sequer saber que é bom saciá-la.


Ao lado de uma colega que eu, brilhantemente, descobri que estudava química, eu tomava outra cerveja, agora gelada, e me auto declarava o presidente da Associação Estadual Das Pessoas Sérias Demais (AEPSD). Mas fui destituído imediatamente por uma crise de riso da garota da química. Ela riu de um jeito que iria acabar com a seriedade de qualquer um.


Pronto. Aí passaram por mim quatro pessoas que eu já esperava. Estavam belíssimas perfumadas e elegantes, chamei-os e a garota da química foi com eles dar uma volta, eu resolvi ficar onde estava por dois motivos: o primeiro é que eu prefiro beber cerveja em lata próximo da lixeira o outro é que eu ainda tinha planos de ir pra casa tomar um bom banho - pô! todo mundo estava limpo e eu ficaria sujo? Bem, não me importei muito com isso não. Aquelas palavras que pareciam mesmo profecias “Marceleza seus caminhos são tortuosos, volta e meia você se perde”. Resultado, não fui pra casa ainda.


Então os cinco voltam, eu não vou citar o nome dos cinco, porque, sem dúvida, vou errar uns quatro ou mais. Eles eram: A garota da química, um rapaz que ganhou logo minha simpatia quando disse que já havia jogado no esquadrão, uma amiga, e mais duas irmãs. Eles me levam para onde estavam. Ai foi um fuzuê, muita gente conhecida junta de outros que eu acabara de conhecer. Aqui cabem duas pontuações: Uma menina bonita sabia sobre a fita azul, difícil de comentar isso, mas não foi a única vez que me faltaram palavras durante aquela noite; eu ainda ficaria com pensamentos outros que se recusavam a sair, por não saber se eles poderiam ou não magoar alguém. Além disso, um rapaz perguntou pra outra menina se eu era gay, pensei na hora: porque os homens gostam de assediar as mulheres mesmo sem saber se agrada a elas ou não o assédio, mas não se permitem ser assediados? Ainda que a situação lhe seja incomoda... Será que eu é que estava sendo assediado? Aí pronto, o negócio virou carnaval e, como tal, é claro que dei uma forcinha para a folia da liberdade, exagerando nos gestos e no chilique.


Na frente da barraca de Letras, eu e o raulseixista Thiago (de Letras) refletíamos sobre o samba de qualidade duvidosa que a galera tocava, ainda iria rolar um arrocha e um forró. Em suma, nosso papo foi o seguite: Arrocha é revolucionário, tomara que ele não seja cooptado como as camisas do Chê. O samba tava mal tocado, o repertório mal elaborado, a esperança estava no forró. As voltas com os malucos de BR no campus e os seguranças o tempo inteiro olhando pros “suspeitos” porque são diferentes. Durma aí com um barulho desses... A melhor coisa dessa festa assim, tipo baixaria, dentro da universidade é que ela se pinta de povo, a comunidade vai, entra no campus. Seria muito bom se outros prazeres pudessem ser divididos com nossos convidados, mas o que se via o tempo inteiro era: os seguranças olhando os não universitários. É triste ver quanto preconceito existe na instituição que deveria pensar alternativas de promoção da igualdade. E para não dizer que não citei Raul: “Pra que pensar se eu tenho o que quero uma nega meu bolero a tv e o futebol”.


Os preconceitos continuam... E não são apenas por parte da segurança. Um estudante de doutorado conseguiu, eu acho, bater o recorde mundial de preconceito em uma única frase. Infeizmente não consigo lembrar e reproduzir ao pé da letra toda merda que eu ouvi daquela criatura nefasta, mas ele agrediu ao mesmo tempo negros, baianos, mineiros, maconheiros, gays, analfabetos. Enquanto esse cidadão fazia do meu ouvido penico, eu prestava atenção na mais bela imagem da noite. Eu não queria sair dali para não deixar de ver meu objeto de contemplação, e o cara não parava de falar merda. Mas a poesia venceu, foi o momento mais se emocionante da festa. Uma senhora que aparentava uns 60 anos e catava latas de cerveja no chão e no balde de lixo, encontrou um livro velho em meio às latas, se afastou da multidão e entregou o livro aos farrapos para uma criança que sentava à sombra, na calçada de um prédio da universidade. Ela passou um bom tempo ali com o guri. Eu fiquei imaginando o que ela havia dito a ele. E com todo barulho que estava fazendo, o moleque ficou concentrado no seu mundo, alheio à festa, aos desejos dos adultos. Ele ficou brincando de estudar, talvez em busca de fazer por merecer o esforço da senhora (que eu penso ser sua avó), em lhe tentar propiciar um futuro melhor. Tomara que esse menino entre na universidade daqui a alguns 10 ou 15 anos, se ele sobreviver, tomara que ele lembre de todas as latas de lixo e de cerveja que os universitários jogavam no chão, e sua avó se abaixava para pegar, esquivando as mãos enrugadas das pisadas do baile. É pena que quase ninguém se permite sentir essa beleza triste, parnasianamente falando: "Vocês não sabem o deve saber da neura latino americana e do lama do Tibet" (Antonio Márcio).


Voltando à festa, sai de onde eu estava e fui até a barraca de Letras. No meio do caminho, encontrei um professor anarquista que, assim como eu, estava parcialmente embriagado. Fiquei feliz em vê-lo, ele é sem duvida um bom exemplo, como homem do povo, como pessoa que sabe que da vida o importante é gozar e ser feliz. A caminho da barraca, encontrei as meninas de Letras, elas são muito massa, tinha muito tempo que eu não as via, lembramos da viagem para Salvador, das leituras de cordel... foi uma onda... foi ótimo revê-las. É uma pena que essa galera não se reúne, isso é mais uma coisa que eu acho que os calouros não devem esquecer, manter contato com seus amigos. Volta e meia eu saia de onde estava o pessoal para buscar cerveja ou tirar cerveja do joelho, nesse ir e vir tentei dar rumos diferentes para a noite, rsrsrsrs, não deu... a noite seguiu seu próprio rumo. E todo mundo ali estava cheio de desejos, tinha um bêbado dando em cima de uma garota legal da física médica, rsrsrsrsrs, foi muito engraçado, ele dava em cima dela e eu fingia dar em cima dele, resultado da brincadeira: o cara acabou se afastando e eu e minha nova amiga resenhávamos. Quando eu resolvi parar de beber, chegou uma lata de cerveja geladinha em minha mão, não podia ter sido antes? Eu não sei se foi mandada pelas meninas das Letras, ou pelo bêbado supracitado, mas, independente do autor da gentileza, eu passei a lata pra frente, e aquela cerveja não foi a única coisa que eu consegui dispensar, isso foi bom. A partir daí, fui obrigado a ouvir, a cada minuto, meus amigos pedindo para que eu parasse de beber, isso é curioso, enquanto eu estava bebendo ninguém falou nada, quando eu parei a galera continuou achando que eu estava enchendo a cara. Rsrsrsrsrs.


Machismo é uma coisa terrível. Nossas belas amigas eram o tempo inteiro assediadas. Isso poderia até ter colocado todo mundo em uma situação tensa. Algumas meninas estavam com seus namorados e mesmo assim os boyzinhos malhadinhos davam em cima. É preciso ter cuidado e autocontrole, essa galera pensa que os músculos deles resolvem tudo. Na Universidade, as coisas se resolvem com argumentos e não com braços, mas não sei por que não me surpreendo a postura dos universiotários! O desenrolar do bafafá... Não deu em nada pois como diria o Dadinho: “Nois é pequeno mas é ruim.” Rsrsrsrsrsr. A gente não deu pra traz diante daqueles manés malhados e não rolou mais esse tipo de incômodo. Isso foi bom, porque é boa a sensação de que seus amigos estão com você também nas situações difíceis.

(Me lembro do filme Quincas berro d’Água houve uma briga no cabaret kkkkkkkkkkkkkkkkkkk, o palhaço Curió botou pra arrombar. Acho que todo boêmio deveria assistir àquele filme e ler o livro.)


Ainda choveu. E como bom seria se a chuva pudesse diluir os papéis arrogantes e deixar apenas o que é humano.. Eeu pulei, dancei e sapateei na chuva, ou melhor eu pulei e dancei com a chuva. Essa pequena correção faz muita diferença: é que a chuva é minha amiga e não se pula na amiga, se pula com a amiga. É muito bom se sentir livre e a natureza me dá isso, a chuva me dá isso, não é que eu não me importe com o resfriado, é que esse contato me faz bem.


No final de tudo ficaram coisas boas: Conheci quatro pessoas muito legais duas irmãs, um ex jogador tricolor, e uma garota da física médica. Espero poder cultivar essas novas amizades. Além disso, revi amigos antigos, resisti a algumas tentações, falei tudo que eu queria falar, senti tudo que eu queria sentir e fiz o que me foi possível fazer. Ainda tive o prazer de ver a preocupação de gente que eu já gosto muito e continuo aprendendo a gostar cada dia mais, preocupados se eu gostei da festa, se eu estava bem etc. Mas a principal preocupação era para que eu não me perdesse no meio do caminho. E foi assim, acabando a noite, ouvindo reagae indo pra casa. Foi realmente um grande prazer, foi lindo. Ficou faltando ver o sol nascer. Mas eu ainda espero estar vivo para ver o sol nascer outros dias e tudo que faltou pode ser retomado a qualquer momento, ou não. Assim é bom viver acertando e errando, sentindo as coisas. Muito obrigado a todos e todas por uma noite tão intensa, é bom ser amigo e ter amigos, é bom ser autêntico, é bom ser feliz.


Sobre a calourada serviu a meu ver, para apresentar ao calouro a universidade. Um espaço burguês, insensível, chulo, reacionário, preconceituoso, capitalista, que precisa ser repensado. Torço para que aquela criança que recebeu o livro sujo e rasgado não se converta no que hoje é a instituição que lhe apresentam como a promessa de um mundo melhor. Espero que essa criança não pense que um diploma será sua redenção e não troque sua vida por um canudo de papel. Tomara que ela não acredite que vale qualquer coisa para ter boas notas. Torço para que todos possam compreender que a poesia dá o verdadeiro sabor das coisas. Não larguemos o diferente ou o novo no meio da rua, para vagar, apodrecer e feder, e só depois descobrir que o que conforta a alma algumas vezes arde no corpo e vice versa. Por isso é que a boca pede mais que apenas um sabor.

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3 comentários:

Anônimo disse...

Cerveja quente? Ninguem merece...

Prof. Altamiro (MST) disse...

Bom texto companheiro.
É importante lembrar que enquanto houver resistencia, há esperança.
Ainda existem pessoas que trabalham e que estudam nas universidade com pensamentos diferenciados, com habitos populares.

Fabiana Oliveira dos Santos disse...

Mas que texto intenso, como você mesmo disse, roubou a minha atenção. Me envolveu bastante e ri junto com a garota de Química, também me emocionei com a descrição da sua amizade com a chuva, além da criança com os livros. Parabéns!