sexta-feira, 12 de junho de 2009

Crônica noturna


(por Marcelo Silva)


Hoje estou velho, e muitas das pesadas rugas que carrego no meu rosto não são minhas, são das preocupações e das angústias que a dona trouxe para mim. Tais preocupações sedaram minhas pálpebras, em plena meia noite me jogaram pena e papel na mão, roubaram-me mais que o sono, roubaram-me os sonhos e coloraram eles em lugar inalcançável.


Tenho ainda tanto medo, mas consigo também me admirar. Pelos céus não existem saídas, as informações estão todas presas, condenadas ao esquecimento. Nunca vamos sair desse mundinho, somos como líquen, musgo ou algo parecido, vegetamos sobre a face da terra num estado de consciência bem própria, achou difícil de entender? Só quero dizer que somos infinitos para fora e para dentro.


Hoje estou velho e sozinho, todos aqueles que um dia gostaram de mim se afastaram me amaldiçoando, fiquei agressivo, anti-social, fui treinado para isso. Alguém que me deixou cego e viciado utilizando a palavra amor, se aproveitou das minhas fragilidades, e me trouxe solidão apesar da euforia, e me trouxe raiva apesar do tesão, e espalhou discórdia apesar da companhia, mas nunca me trousse paz.


Não rompi estes muros e, depois dos desenganos, percebi o quanto eu estive errado, o quanto permiti a mim mesmo ser submisso, estar sempre de joelhos, agora não dá mais para corrigir, estou velho e cada vez mais orgulhoso, e cada vez mais só.


Que merda de homem que fui, rancoroso, incapaz de sorrir, preferindo a tristeza sem razão ao invés de buscar uma razão e ser livre.


Eu tinha um velho cachorro, um cachorro perdigueiro e ele saltava muros, mas eu não saltei os muros quando devia, me rendi a caprichos dominadores de um amor que foi meu parasita, que me deixou assim: mais covarde que meu velho perdigueiro. Queria partir sem rumo, andar por aí, garanto que meu cachorro conseguiria, mas eu não consigo, me botaram coleiras e eu não sei pular muros.


O tempo se passou para mim, se pudesse ter sido diferente, eu seria menos coitadinho e leria mais outro livro, eu seria menos depressivo e sorriria pra uma criança, se pudesse ter sido diferente eu jamais trocaria os meus verdadeiros amigos pela mulher possessiva e manipuladora. Ah, se tivesse sido diferente meus sonhos de revolução sairiam do sofá e virariam cultura...


Talvez o fim tivesse sido o mesmo, eu aqui à meia noite abandonado e só, mas o meio com toda certeza não teria sido tão vago, tão decepcionante, certamente eu teria sido mais feliz.


No final o que importa é isso, não dá para pensar a liberdade apenas como sair por aí, o planeta é redondo, ela tem mais relação com permitir que você seja você mesmo.


Se você achou que essas horas da minha madrugada foram dedicadas a fazer sermões desconexos e loucos para você, procure um psicólogo, você é problemático, se não se cuidar vai acabar além de sozinho, louco. Eu não preciso mais me dedicar a ninguém, já fui submisso a vida inteira e não quero mais rugas por causa do que não vai mudar.


Mas se por outro lado, você quiser testar sua liberdade, pense na pessoa que lhe acompanha, ela diz que te ama, mas te domina, te quer preso, manipulado, pense no quanto ela te faz refém, você duvida? Então tente se libertar e verás que realmente é refém. Hoje vejo que nunca mais serei livre, todas as noites os medos me atormentam, só porque eu não me impus, o ciúme beirava tragédias e como eu me mantive submisso, deixei-me ser parasitado.


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