segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

As Luzes dos vaga-lumes I

(Marcelo Silva)

Estava caminhando um dia desses por ai meio sem rumo, era um dia quente e, mesmo estando o sol baixo no céu, já próximo ao poente a temperatura do ambiente, tão mais alta que a temperatura do meu corpo, ainda incomodava. As ruas causam mesmo muito desconforto, tudo que a gente vê, ouve e sente deve mesmo nos incomodar, ainda assim acredito que as ruas com todos os incômodos devem ser um ambiente familiar ao individuo livre, desde que ele tenha um porto seguro para regressar, um local de refugio mental onde possa ter garantida sua dignidade, sua autonomia, existir quanto ser pensante e indivíduo autor dos rumos da sua história social. Essa característica do lar pode ser sua marca de humanidade. A relação entre a pessoa e a rua deve ser unilateral submissa ao controle da pessoa. Ninguém deve ter a rua como a única opção de sobrevivência, mas sim como uma opção de convívio social, de contato com o mundo, de organização e manifestação pública em benefício dos interesses comuns.

Sentei à sombra de uma árvore, em um meio fio recém pintado de cal - recentemente essa tem sido a obra de maior destaque realizada pelo poder público municipal - e comecei a refletir. Pensava quanto era cruel a subserviência sugerida (imposta) pelo grandes mecanismos de comunicação ao povo. As pessoas são convidadas a serem felizes, estando sempre iguais aos modelos de beleza, de não loucura, simpatia, popularidade, que no final das contas promovem uma escravidão sem correntes visíveis, logo difíceis de serem quebradas. As pessoas não percebem que só serão “felizes” se consumirem, se gastarem e se assistirem até o fim de suas vidas os Babacas, Burros e Bestas que existem por aí. Mas em debate comigo mesmo resolvi tomar as dores do opressor. E rebati meu pensamento da seguinte forma:

Não pode ser a mídia considerada a responsável pela trilha apocalíptica que caminha a passos largos. A humanidade, as pessoas escolhem os seus rumos. Quem assiste diariamente a quatro novelas e lê um livro a cada década, faz isso porque quer. Quem sofre mais ao ver o timão do coração ir pra a segunda divisão que ao ver uma criança suja passando fome na rua escolhe o que lhe incomoda mais. Quem escolhe passear no natal com a família no shopping e ver o Papai Noel com aquela roupinha polar distribuindo presentes para todas as crianças do mundo escolhe fazer isso.

Mas essas posturas louváveis não sofrem a influência apenas da mídia, mas de outras entidades, por exemplo a igreja (religiões institucionalizadas), a família (tradições sociais locais) construídas ao longo do tempo em um cabo de guerra tendo como característica uma corda com uma parte forte e outra fraca.

Isso aliviaria um pouco a responsabilidade da mídia. Afinal de contas assistir a novelas não é algo tão mal, existe muita ludicidade e fantasia em viajar sem sair do lugar em uma trama bem feita; o futebol é esporte e lazer, algo que interfere na qualidade de vida das pessoas, todos devem ter o direito de se emocionar com o esporte e praticá-lo; e o passeio em família é sempre bom, o sorriso de uma criança ao ganhar um presente é algo sem preço. As pessoas não precisariam da pressão dos meios de comunicação para quererem fazer algo que já seria bom para elas. Além do mais muita coisa popular entra na mídia porque se torna vontade do grande público, e ganhar espaço meio que ao contragosto das classes altas e “cultas”. Por exemplo ritmos musicais populares que nascem na periferia tipo: Calipso, Arrocha, etc. devem descer goela abaixo, causando náuseas no “bom gosto” das elites.

Já escurecia e eu ali embaixo da árvore e em cima do meio fio, olhava as pessoas voltando para casa, andando rapidamente sem olhar umas às outras, sem querer saber o que se passa com o outro sem dedicar um minuto de reflexão ao planeta onde tem suas raízes fincadas. Estas pessoas estão com suas bolsas, seus pudores e suas paranóias e não percebem que tudo isso é programado para desmobilizá-las. Não teria realmente problemas em assistir a novelas, se estas não fossem tão tendenciosas, antropocêntricas imprimindo os valores de uma cultura em detrimento de outras, fingindo uma interatividade entre a arte e o público, impedindo as pessoas de dialogar profundamente com o objeto de contemplação, não dialogamos com os periódicos globais, não discordamos nem concordamos, nem argumentamos ou construímos, pronto a questão é construção, se o povo gosta tanto de novela porque as pessoas não criam suas próprias novelas? Imagine como seria se você fosse na casa do seu vizinho para ler a novela que ele criou ou para mostrar a sua. No futebol, sim, as pessoas não apenas torcem para seus times, como elas jogam, mas o futebol tem muitos problemas, primeiro alimenta o sonho de muitos sobre a possibilidade de fama e dinheiro quando isso é uma realidade para poucos, também coloca em muitos casos a paixão pelo futebol que move uma indústria milionária para os torcedores como superior a outros valores de interesse coletivo. Quanto à miséria do Papai Noel, não se trata de não querer ver uma criança feliz, o grande problema está em associar a felicidade ao consumo, a compra desnecessária e desordenada gastando energia e recursos naturais que já estão fazendo falta ao planeta, e a natureza vai cobrar, isso para não falar das neuroses causadas na cabeça da maioria que não tem acesso nem se quer aos itens fundamentais para sua sobrevivência, imagine para uma extravagante comprinha de natal, fadados então pela lógica do sistema à infelicidade. Portanto não se pode atribuir ser feliz ao consumo.´as pessoas voltando para casa, andando ra

Mas as pessoas continuavam a passar e eu, corroído de raiva, de ódio, via vaga-lumes rodearem a minha cabeça. Não tenho raiva do povo, não posso ter raiva da plebe, mas posso ter raiva da globo e afins e principalmente dos poucos canalhas que sustentam seu luxo e sua pompa as custas da escravidão desse povo da degradação do planeta. Vi muitos vaga-lumes porque minha voz não ecoava, porque muitos camaradas que pensavam como eu sucumbiram ao cansaço, ao governo, ao poder. Mas anseio e trabalho por dias melhores, pois acredito que essas luzes de vaga-lumes possam ser mais que uma mera alucinação, fruto da minha indignação, acredito que elas possam ser uma luz de esperança!

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